Efeitos do tempo


Hoje a nossa colunista aborda um tema a muito discutido e em pouco refletido com a intensidade necessária.

O tempo é implacável viva intensamente o dia de hoje e seja grato pelo que tem, no fim é só isso que interessa.



Efeitos do tempo

O tempo transforma tudo, ao longo da vida, quando você percebe, extraiu lições importantes, e transformar-se-á em uma pessoa melhor e mais consciente; adquiriu mais saber, mais experiência, mais vivência. Isso é obvio, você pode me dizer, tudo está em pleno movimento rotativo, e continuará evoluindo. Cada dia, as previsões trazem uma infinita expansão para a área do conhecimento, tanto para a tecnologia, comércio, quanto para a Ciência – medicina e outras áreas de informação. 

Por outro lado, é evidente também, quando você menos espera, aquele conhecimento que considerava novo/interessante já está ultrapassado/insignificante. De certa forma, em parte, em razão da tecnologia e das facilidades que ela traz, e também pela investigação incessante por ideias novas e transformações que empresas e a Ciência continuam buscando. Mas, tudo isso, “em virtude” do comportamento do ser humano, que cada dia, vai tornando cada vez mais exigente em todos os sentidos. Consigo mesmo, com os outros, com as coisas. Com tudo, tornando o mundo tão exigente, ao ponto de as informações e serviços ficarem insuficientes, escassos.

A Mídia, a Ciência e o Comércio sabendo disso estão desenvolvendo, trocando informações constantemente, inovando, criando cada vez mais produtos úteis e inúteis, e soluções variadas, algumas até com publicidades milagrosas, para atraírem/atenderem/resolverem os tantos problemas que temos — muitos que nós mesmos criamos. O ser humano é assim, a maioria está sempre insatisfeita, buscando mais, consumindo mais; mas, nem sempre, sabe fazer uma seleção daquilo que é ou não relevante.

É natural, não somos perfeitos. Mas o mais importante e mais bonito do mundo, segundo o grande escritor Guimarães Rosa, é que as pessoas não estão sempre iguais, estão sempre mudando, pois ainda não foram terminadas. E como mudamos, ao longo da vida! Não podemos negar. É verossímil! Há exemplos por todos os lados de pessoas que eram de um jeito e, hoje, são totalmente o seu oposto. Muitas, eu acredito, de tanto sofrer, “vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá”. E como Marina Colasanti disse, vai se acostumando.

Interessante, que com o tempo, com os conhecimentos adquiridos, com as peripécias, com as lições que tiramos da própria vida, com a convivência com as pessoas, vamos criando mecanismos de enfrentamento das situações mais difíceis. Aos poucos, vamos sendo lapidados, uns mais outros menos. De forma, que vamos, significativamente, nos aperfeiçoando; contudo, perdendo a nossa própria identidade original. Por exemplo, alguém que me conheceu, quando eu era adolescente; certamente, tem uma visão totalmente distorcida do que eu sou hoje. Não envelhecemos tendo a mesma identidade que tínhamos quando criança, adolescência ou a mesma “mãe ou pai da primeira viagem”.  

Quando jovens, queremos “o mundo inteiro”, e acreditamos que assim seremos felizes. Acreditamos que a felicidade se esconde numa boa casa, em um bom emprego, em um bom celular ou o melhor carro. Mas de repente, depois que alcançamos aquilo que era um sonho, descobrimos que nada disso nos satisfaz. Sempre, acreditamos que o ideal é aquilo que não temos. A imaginação, por ser muito ilusória, nos fascina e nos engana, todos os nossos sentidos, e até a nossa própria inteligência. Depois que conseguimos “enfastia – lhe o gosto”. Você pode até pensar, será que isso acontece só comigo? Não! Isso acontece “com quase todo mundo”, só que algumas pessoas têm mais facilidade em reconhecer/aceitar/gostar “do que tem em mãos”, do que é seu. Gostar do seu marido, da sua mulher, dos seus filhos, da sua família, do seu trabalho, da sua casa, do seu carro velho, da sua vida que leva; etc. Todos do jeito que eles são.

Para ser feliz, para ter este combustível que conduz a vida, que chama felicidade, segundo Mário Quintana, “você precisa aprender a gostar de você, a cuidar de você e, principalmente, a gostar de quem também gosta de você. Você compreende que só quem é capaz de lhe amar com os seus defeitos, sem pretender mudar-lhe, é que pode lhe dar toda a felicidade que deseja”. Há algum tempo, acreditávamos que era preciso mudar as pessoas para convivermos bem com elas.
Hoje, sabemos que “ninguém muda ninguém”, a não ser ela mesma. E quando depositamos muita confiança ou expectativas nas pessoas ou mesmo nas coisas, o risco de nos decepcionarmos com elas é grande, porque, com o tempo, segundo o padre Antonio Vieira, “o tempo tira a novidade às coisas, descobre-lhe os defeitos, enfastia-lhe o gosto, e basta que sejam usadas para não serem as mesmas”.
É assim no relacionamento conjugal, familiar; no trabalho, na sociedade, em qualquer lugar. Tudo depende de nós, de nossas reações, de nossas respostas ao lidar com as pessoas. Conviver é uma atitude que precisa ser muito bem administrada em todos os âmbitos de nossa vida.


fonte foto google
Portanto, é longa a nossa caminhada e, na maioria das vezes, dolorosa essa temporada de aprendizado cognitivo e emocional, que todo ser humano precisa passar, desde o seu nascimento até a vida adulta, para aprender   noções importantes de convivência como: saber aceitar o outro sem exigir nada em troca, conscientizar de que quem precisa mudar, somos nós mesmos perante o outro. Que não basta ter que levar em conta nossos próprios pensamentos, precisamos também considerar o que os outros pensam sobre nós e sobre as outras coisas. Que precisamos nos aperfeiçoar todos os dias a nossa capacidade de convivência. Que precisamos nos amar.



Leia também o texto de Marina Colasanti.

A gente acostuma, mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma”.

Abraços

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